A MAGIA DO PAPADO

 

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Carlos Alberto di Franco

Sucesso mercadológico do Papa impressiona

Noite de Natal em Roma. Francisco transmitiu, mais uma vez, o magnetismo de seu vigor espiritual e de sua proximidade pastoral. Todos, católicos ou não, sentiram a forte e suave presença do mistério que, numa reiterada ruptura com o racionalismo humano, faz da Igreja Católica uma instituição surpreendentemente singular.

italiapascoapapaafp01Durante os anos do atual pontificado, e dos anteriores, as ruas, praças e esplanadas nos quatro cantos do mundo foram tomadas por barracas, mochilas e canções. As concentrações religiosas, imensas e multicoloridas, contrastam fortemente com as previsões pessimistas dos profetas da morte de Deus. A magia do papado reside, como disse alguém, num enigma “escandaloso”: o Papa, como tal, é o único homem no qual milhões de pessoas intuem um vínculo direto com Deus, o vigário de Cristo na Terra. Este é, de fato, o cerne do fenômeno.

1611469Cada Pontífice tem sua marca. Francisco é o Papa da misericórdia. A perspectiva do olhar de um Deus compassivo, acolhedor, está metida na alma de Francisco e ganha corpo no seu projeto pastoral. “A coisa que a Igreja mais necessita agora é a capacidade de curar feridas e de aquecer o coração dos fiéis, aproximar-se”. Francisco insiste muito na essência da mensagem cristã: a misericórdia de Deus.

O Papa, além disso, galvaniza a nostalgia de Deus que floresce sobre os cacos que sobraram das tristes tentativas de liberação do transcendente que marcaram as últimas décadas. O pêndulo da História aponta o reencontro do homem com suas raízes genuínas, sua inquieta peregrinação rumo ao Criador.

Alguns, equivocadamente, imaginam que o influxo cristão sobre os assuntos temporais não deveria existir. Gostariam de ver o Papa reduzido à liderança de uma espécie de ONG da boa vontade. De acordo com esta ótica, a religião se reduziria ao culto, sobretudo privado.

Madre Teresa sempre ajudou os pobres, doentes e carentes.

Madre Teresa sempre ajudou os pobres, doentes e carentes.

A aparente tensão entre o católico, cidadão do mundo, mas não refém do mundanismo, tem levantado uma falta contraposição entre convicção e liberdade. Estabelece-se uma absurda incompatibilidade ideológica entre realidades que deveriam caminhar juntas. Entre uma pessoa de fé e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O sectário assume a sua convicção com exasperada intolerância, e nela se refugia, como num baluarte exclusivista e hostil. O fanático impõe, empenha-se em aliciar. A pessoa de fé, ao contrário, assenta-se serenamente em seus valores.

latino americano 2015 novo 9Outros, numa manifestação explícita de clericalismo, pretendem mobilizar corporativamente os católicos em plataformas políticas, que acabariam transformando a Igreja numa corrente semelhante às outras, alinhada aos grupos e partidos. O Papa, contudo, enfatiza que a Igreja está acima de toda ideologia, regime, partido, cultura ou civilização. Os cristãos leigos, como cidadãos do mundo, com liberdade e responsabilidade pessoais, podem e devem assumir seus compromissos temporais.

O Papa é um impressionante sucesso mercadológico. Seu marketing, no entanto, tem raízes profundas: fé robusta, coerência doutrinal e, sem dúvida, a intrigante magia da santidade. Na verdade, só ela pode explicar a força do papado.

A todos, um excelente 2018!

Carlos Alberto Di Franco é jornalista

https://oglobo.globo.com/opiniao/a-magia-do-papado-22240966

 

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