
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos …
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
________________________________________________________________________________________________________________
A poesia deve ser escrita, lida, pensada, sentida e refletida. Nesse processo há pelo menos dois participantes: o autor e o leitor. O autor, certamente, passou por todas essas fases levando em consideração a sua vida, o seu conhecimento, o seu momento e suas próprias reflexões de vida.
Nós, como leitores, temos a graça de podermos usufruir da beleza de uma poesia e a “permissão” do autor de fazermos nossas próprias reflexões. Esse consentimento que nos é dado deve ser usado com respeito e certa veneração, pois o poeta, nascido no mesmo século ou em época muito distante da nossa, de repente, através de suas palavras, sussurra aos nossos ouvidos e toca profundamente nosso coração unindo duas almas que sequer se conheceram. O que temos em comum? Uma alma humana que nos foi dada por Deus desde o momento de nossa concepção. Vamos ao que nos interessa, então:
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Quando pensamos em uma catedral, logo nos vem a imagem de Deus, altura, espaço, beleza, luzes e sombras, enfim, um lugar que nos leva ao céu. O poeta diz que o coração do homem não tem apenas uma catedral, mas várias e que essas catedrais são imensas, ou seja, o coração humano é capaz de sonhar e querer muitas coisas. São templos antigos, recantos até então escondidos, onde uma divindade de amor canta alto e faz estremecer a primeira grande paixão da pessoa que conhece sua própria vocação. Pronto. A vocação foi descoberta.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Ahhh, que alegria se instala quando descobrimos nossa vocação. O porquê de estarmos aqui. O poeta nos abre caminho para imaginarmos as cores que se misturam das lâmpadas cintilantes e dos raios solares que entram pelos vitrais coloridos ao tocar os arcos e as colunas e nós, que recem descobrimos nossa vocação somos capazes de ver a beleza do que nos é apresentado e conseguimos, mesmo que seja por um instante, prever as maravilhas do que está por vir. O ser humano necessita ardentemente ter noção do motivo de sua existência e essa descoberta ilumina todo o caminho que, até então, parecia escuro e sem graça. Entre luzes e sombras, escolhemos as luzes. É a primavera de nossa vida espiritual. Que paz!
Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos …
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

Aqui imagino o velho templário medieval que , pouco a pouco, foi deixando de ver a luz, o esplendor. O tempo foi passando sem que continuasse a dizer “eu te amo”, “servirei”, estou pronto. A vocação que antes brilhava caiu na rotina do fazer por fazer. Foi-se o frescor da juventude que quer trabalhar por mudanças reais e verdadeiras, as cores já não trazem o brilho nem cintilam como antes. É como se toda a beleza que tinha sido vista de forma maravilhosa e maravilhável, já não existisse mais. Onde foram parar os momentos claros e risonhos? Quanto tempo deixei guardada no fundo da gaveta do meu coração aquela vocação pela qual sonhei a vida toda?
E erguendo a espada, no desespero daqueles que precisam destruir a imagem da alegria que ficou num canto cheia de poeira e teias de aranha, o homem quebra a imagem do seus próprios sonhos. Precisará dizer a si mesmo que tudo era uma ilusão. Nada do que viu, realmente existiu. O homem não consegue viver na mentira, então, precisa enganar-se para continuar sobrevivendo. A vocação nunca foi vista. Não pertencia a ele. Que tristeza!
______________________________________________________________________________________________________________
Entristeceu-se com o final? É apenas o final de uma poesia. A vida de cada um de nós pode e deve ser escrita todos os dias visando aquela grande descoberta que foi feita um dia.
Se estamos na primeira estrofe, que bom! Se nos encontramos na segunda estrofe, que maravilha! Tanto em uma como na outra, o importante é lustrar essa vocação todos os dias. É dizer com amor e resolução um “eu quero”, “estou aqui”, “te amo eternamente”, “servirei”, enfim, o que o coração e a razão nos impulsionarem a falar.
Se estamos passando pela terceira estrofe… Opa! Pare tudo e faça algo para mudar o caminho. No livro O menino, a toupeira, a raposa e o cavalo, em determinado momento o menino pergunta ao cavalo: Qual foi a coisa mais corajosa que você já disse? E o cavalo, sábio e acolhedor, responde: “Socorro”. Se temos coragem suficiente para pedir socorro, certamente conseguiremos reverter a nossa situação. Mas, só os verdadeiramente corajosos pedem ajuda. Ainda dá tempo.
Se, por infelicidade, estamos passando pela quarta estrofe temos dois caminhos a seguir. O primeiro é fingir que nada existiu, seguir em frente tateando pelas sombras da vida e chorar a tristeza de nunca ter visto nada que nos convencesse sobre o que é verdade ou não. O segundo caminho é mais trabalhoso, mas ainda pode ser encontrado se, assim como na terceira estrofe, soubermos pedir ajuda e agarrar firmemente nas mãos que nos forem estendidas. Talvez estejamos sujos, enlameados, mal cheirosos, mas as mãos que nos forem estendidas nos trarão água limpa, toalhas brancas, secas e perfumadas, nos cuidarão com os remédios necessários para que possamos nos fortalecer e voltar ao caminho das luzes brilhantes e cintilantes. Esse caminho é o da amizade e perdão de Deus. Onde há um confessionário há também um raio de sol esperando uma alma para tocar.
Agradecemos ao poeta Augusto do Anjos a possibilidade de pensar em nossa vocação. Dizem que ele é o poeta amargo, angustiado e pessimista. Vandalismo, o nome da poesia, traz em si a ideia de destruição e aniquilação dos bens mais preciosos. Mas, será que nosso caro Augusto dos Anjos que carrega esse nome tão celestial e altivo é realmente amargo e pessimista? Talvez, quisesse apenas nos permitir pensar um pouco mais. Talvez, fosse o raio de sol tocando a ogiva fúlgida na vida de alguém.

