QUE TIPO DE PAPA?

ECLESIOLOGIA DE TESTEMUNHO  X  ECLESIOLOGIA DO DIÁLOGO?

Dissemos no artigo “O Sínodo da Amazônia, uma nova eclesiologia” que há hoje quem pretenda que o “velho” conceito de Igreja  seja substituído por um novo. 

Nossa afirmação é claramente confirmada em artigo escrito por Leonardo Boff em 2013, no qual o autor  explica  duas eclesiologias, duas concepções de Igreja. Uma, que ele chama de modelo do testemunho, é a Igreja de sempre.  Outra, denominada modelo do diálogo, que seria a do Vaticano II, de Paulo VI, de Puebla.

Hoje, no Sínodo, esses dois modelos. estão em choque. O de Boff, condenado pelo cardeal Ratzinger, defendido pelos teólogos modernistas de várias escolas, em especial os ligados à teologia da libertação, luta para que seus princípios sejam vitoriosos.

Curiosamente teólogos que eram muito críticos do Papa João Paulo II – como se vê claramente no artigo, agora se mostram grandes defensores do respeito à hierarquia e ao magistério. Na verdade ousam dar a entender que o conceito de Igreja do Papa coincide com o deles.

Segue o artigo de Boff. (V.O.)

QUE TIPO DE PAPA?

As tensões internas da Igreja atual

Leonardo Boff


Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo?

Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mundo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente.

Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.

Cristo, Deus Filho, é o nosso Salvador

O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos o sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação.

Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade.

Para esse modelo, há um Cristo com dimensões cósmicas presente nas pessoas do bem

O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia viverem felizes no Reino dos libertos.

A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura.

O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos.

Primeiros Jesuítas que vieram ao Brasil

Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de “Igreja” às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender.

São João Paulo II com a cruz
Bento XVI em oração

O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e de Medellin e de Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus.

Paulo VI canonizado em 2018

O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus.

Puebla na América Latina

O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão.

Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos) e a espiritualidade (roubo de documentos secretos e problemas graves de transparência no Banco do Vaticano).

Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.

Notas:
1. *Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é autor de “Igreja: carisma e poder”. Como se sabe suas ideias foram condenadas pelo cardeal Ratzinger então prefeito da Congregação da Doutrina da Fé. D. Aloisio Lorscheider e o cardeal Arns compareceram para defende-lo. Não tiveram sucesso. Boff, então, pediu para deixar sua congregação e abandonou o sacerdócio. -“O sr. Deixou também a igreja, perguntaram-lhe? -“Não, foi a igreja que saiu dela mesma”, respondeu. Mais tarde confessou que há muito mantinha relações com uma mulher casada.

 Nada disso o impede de continuar a agir dentro da Igreja. Chegou mesmo a relatar que colaborou com o Papa Francisco, mandando sugestões para a encíclica Laudato Si, sobre o meio ambiente. Diz que quer visitar o Pontífice, mas não julga conveniente enquanto Bento XVI estiver vivo…

2. Os destaques em negrito são do Claravalcister.

Fontes:
https://leonardoboff.wordpress.com/2013/02/12/que-tipo-de-papa-as-tensoes-internas-da-igreja-atual/

http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/ed734-como-o-cardeal-ratzinger-condenou-leonardo-boff-ao-silencio/

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