CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIGNITAS INFINITA 1.

LEITURA DA DIGNITAS INFINITA…Trouxe-me recordações de graças da minha juventude

Nota prévia

Como é natural, quando sai um documento importante do Vaticano, o mesmo é analisado profundamente por muita gente, na Igreja e até fora dela. As análises críticas variam conforme correntes teológicas ou filosóficas de quem as escreve.  É natural. Elas podem ser positivas ou negativas. Conforme o autor veremos se consideram o texto preciso ou ambíguo; claro ou obscuro. Os mais ousados vão se atrever a afirmar se é ortodoxo ou não, se contribui para o fortalecimento da fé na Igreja ou se abre caminho, através de uma linguagem mais ou menos dúbia, a uma abertura para  ideias mais conformes a uma nova eclesiologia. Tudo isso veremos na análise deste documento.

Preocupado?

Tranquilize-se.  Nada do que foi dito acima deve preocupar o meu amigo leitor. O que vou fazer hoje, como está no título do artigo, é mostrar a vocês como a leitura da “Dignitas Infinita” fez-me lembrar de graças que recebi na minha juventude.

Tudo bem assim? Vamos às lembranças.

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Costuma-se dizer que o mundo nos traz muitas surpresas. Bem verdade. Surpresas boas e más, alegres e tristes. Surpresas que nos fazem lembrar muita coisa.

Foi a sensação que tive logo após minha primeira leitura da “Dignitas Infinita”. De um certo modo, como explicarei, porque surpreenderam-me algumas partes do conteúdo e o modo de abordagem do tema.   

Por quê?

O documento do Dicastério da Doutrina da Fé, cuja elaboração durou 5 anos, trata da dignidade humana com uma linguagem que eu não esperava (1) ao tratar da dignidade humana em suas quatro dimensões: ontológica, moral, social e existencial.

A importância desses conceitos nem sempre é percebida pelo grande píublico apesar de falarmos sobre dignidade humana, e até de natureza humana, o tempo todo. O que acontece? O mesmo que ocorre com o uso de muitas palavras importantes como amor, liberdade, igualdade, justiça, etc. e cujos significados originais foram muitas vezes desvirtuados. O Documento da Santa Sé fala desses desvios. No caso é o uso corrompido de conceitos como dignidade humana e direitos humanos que dificultam ou até impedem que tenhamos uma visão correta do que é o ser humano e da grandeza de cada um de nós.

Foi nesse ponto que me lembrei de graças de minha juventude. A primeira delas foi em uma aula.

O objetivo de Deus ao criar o homem | Jesus - o Verbo de Deus

Tinha por volta de 20 anos quando tive uma palestra sobre o “Plano de Deus na História”.  Contudo, o conferencista não tratou apenas da história da criação do homem. Abordou tudo, desde o momento do deslumbrante “Faça-se Luz” até a consumação dos séculos, ou seja, o fim do mundo e o Juízo Final. Vimos o plano de Deus na criação dos coros angélicos com sua magnífica hierarquia e  como Deus os chamou para O adorarem. Criados livres, não perseveraram. Muitos preferiram adorar a si mesmos. São Miguel os expulsou dos Céus bradando “Quis ut Deus?! (2). A partir de então passaram a ser anjos maus, demônios, eternamente presos a suas iniquidades.

Depois, tivemos a criação dos homens, de matéria pré-existente à qual Deus “soprou” uma alma espiritual. Criou-os, diz o Gênese, homem e mulher. Surgiram os pais de todos nós,  Adão e Eva. Criados em inocência, dotados de enormes dons naturais e preternaturais, deveriam seguir um plano em suas vidas no Eden. Qual era o plano para eles? Ou melhor, qual era o plano de Deus para eles e todos nós, seus filhos?

A resposta era “simples”:

1. Deveríamos conhecer, amar, adorar e servir a Deus com todo nosso entendimento, com todo nosso coração, com toda nossa alma! Esta exigência de Deus não era fruto de nenhum amor egoísta, pelo contrário. É porque só assim participaríamos da vida divina. O ser humano só se completa em união com Deus. Só aí está a nossa realização.    

2.  Só que esse amor que, em primeiro lugar é individual, deveria nascer e crescer em sociedade com os demais homens, com nossos irmãos. É a segunda parte do plano: deveríamos construir criar uma sociedade humana perfeita.

3. Terceiro ponto: Embelezar a natureza.  As coisas criadas em nosso redor deveriam servir ao homem, foi-nos dito claramente. Se Deus criou as flores deveríamos criar Jardins!

Só esse começo me deixou encantado. Como diziam meus amigos da época, o panorama apresentado era incrivelmente “flashoso” (3), ou seja, deslumbrante.

Daí até o final tivemos uma longa explanação sobre as graças que Deus sempre derramou sobre nós, Graças, correspondências, pecados, apostasias. Em todas as épocas históricas (4).

Em suma foi o que imediatamente me lembrei ao ler o texto do Vaticano.  Ali está o que é dito sobre nossa dignidade ontológica e sobre como obtemos nossa dignidade moral.

Nos velhos tempos, quando ministrava minhas aulas usava uma outra expressão. Falava na suprema igualdade metafísica e essencial do homem. É a mesma coisa.  

Quando li a explicação da dignidade ontológica lembrei-me também de uma frase dita em outro momento, por outro professor. Em certo momento de sua aula, perguntou-se: “Afinal, quem sou eu? Ele respondeu de um modo que também achei “flashoso”: – “Sou essa coisa incomensuravelmente grande que é um ser humano!”

São João Bosco

Outra lembrança. Uma conferência. Transformada, tempos depois, em texo.  Tema: “Sede de Almas”. Ideia principal: quem está unido a Deus, ou assim o deseja, não pode viver sem desejar fazer o bem às almas. Foi citado um salmo: “Assim como o cervo brama pela corrente das águas, assim suspira minha alma por Ti, Senhor.” (5). Ora, quem anseia por Deus não espera ocasiões favoráveis; procura qualquer ocasião para encontrar seu próximo, ouvi-lo, respeitá-lo, amá-lo. Isso é ter sede de almas. Sede tão bem expressa em frase de D. Bosco: – “Da mihi animas, et cetera tolle”. Dai-me almas e ficai com o resto…

História de São Josemaria Escrivá de Balaguer - Santos e Ícones Católicos -  Cruz Terra Santa
São Josemaría Escrivá

Trinta anos mais tarde encontrei a mesma ideia em S. Josemaría Escrivá:

“Acredita em mim: o apostolado, a catequese, de ordinário, têm de ser capilar: um a um. Cada homem de fé com o seu companheiro mais próximo. Aos que somos filhos de Deus, importam-nos todas as almas, porque nos importa cada alma (Sulco, 943).

Importar-se é olhá-las com o olhar de Cristo. O olhar com que Ele olhou a Virgem, São José, os Magos, os Apóstolos, Judas, Pilatos, Anás, Caifás…

São Pedro encontra o olhar de Cristo e se arrepende

Os bons sempre viram no olhar de Cristo o convite para a união com Ele. Disseram: “Faça-se em mim segundo a Vossa Vontade!”. E assim foi feito. Tivemos pecadores que, como Pedro, fizeram protestos de amor e… sucumbiram…  mas o olhar de Cristo os tocou. Caíram em lágrimas, arrependeram-se, mergulharam no amor de Deus.

Judas encontra o olhar de Cristo e foge

Miseravelmente, em outros, a reação foi diferente. Sentiram também o doce olhar divino e ficaram incomodados. Muito! O que fizeram? Desviaram o olhar, fitaram a terra, apegaram-se a ela. Usaram e desperdiçaram o dom da liberdade para dizer não. Não entenderam, ou melhor, não quiseram entender que só pela correspondência, pela aceitação da graça se chega a Deus. Escolheram o vazio.

Cristo chorou por eles. Infinitamente.

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Notas:

  1. Por exemplo, o documento volta a falar de verdades objetivas, o que, de certo modo, deram a entender certos prelados, estaria sendo evitado pelo Vaticano. Fica respondida, parece-me, uma questão que os cardeais da dúbia haviam perguntado ao Papa Francisco ainda em 2016. Ou seja, se ainda podemos  afirmar que há atos objetivamente maus. Muitos textos progressistas negam isso. Não só entre teólogos, Também na Sagrada Hierarquia.
  2. Quis ut Deus? Quem é como Deus. Os teólogos deduzem da frase que uma parte dos anjos bons se encantou com as próprias qualidades e passaram a se julgar iguais a Deus. Terrível pecado de orgulho que vemos também ocorrer em tristes episódios da história humana. ……
  3. O flash é uma luz intensa e momentânea, normalmente entre meus amigos, era a luz encantadora que nos convidava para a transcendência, que, de algum modo, nos permitia ver algo de Deus.  
  4. Não há como dar uma ideia geral aqui. Talvez escreva sobre o tema mais para a frente.
  5.  (Sl. 42,1)

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