A MÃE ATACADA POR SEUS FILHOS

Valter de Oliveira

Ela estava no jardim de casa, cercada pelos seus filhos. Eram muitos.  Às vezes, pareciam simplesmente membros de uma família numerosa, uma daquelas de antigamente. Outras vezes, porém, misteriosamente, pareciam uma imensidão de homens e mulheres.

Quem eram eles? O que faziam?

Como em toda a família cada um era único. Inclusive eu. Assim eu me sentia. Único e amado.

Havia os mais carinhosos, mais desprendidos, que olhavam a bela senhora com enlevo e ternura.

Outros, lembrando Marta, faziam muitas coisas pela mãe e pelos irmãos. Uns com amor, outros mais por dever.

Notei também alguns desleixados, mais preocupados com seus afazeres e seus gostos. Não gostavam de ser incomodados. Talvez fizessem parte do maior número.

Finalmente, havia os rebeldes e ingratos, que pouco ou nada percebiam o quanto a mãe fazia por eles.

Continuamente pensavam que ela deveria ser diferente. Uns evitavam que ela soubesse. Mas não deixavam de dar suas opiniões a muitos de seus irmãos e até a vizinhos.

Uma parte desses era mais radical. Queixavam-se abertamente. Sempre que podiam falavam à Mãe: – “Por que a senhora não muda? Vai ficar sempre assim? Por que tais roupas? Por que tais ideais? Por que esse comportamento que ninguém entende?”

Parece que para eles suas virtudes eram tidas como vício. Passaram a dizer que ela – a mais meiga e bela das mulheres – era feia, seca, calculista. Não seria também uma grande hipócrita?

Close-up pequena peça de peão de prata atacar a rainha dourada no tabuleiro  de xadrez em fundo escuro. mão movendo a figura de xadrez na competição do  jogo de xadrez. conceito de

De repente, para surpresa minha, vi que vários a empurravam, num desrespeito inimaginável. Ela cambaleou. Não caiu. Eles insistiram. Em certo momento pareceu-me que procuravam armas para atingi-la.

Fiquei angustiado, aflito. O que fazer? Brigar com meus irmãos? Gritar para que os que estavam dentro de casa saíssem para defendê-la? Chamar os vizinhos?

Lembrei-me, então, que já tinha presenciado algo semelhante há alguns anos, e que, aos poucos pareceu-me que os ingratos tinham evitado ataques mais notórios. Não porquê tivessem percebido sua ingratidão, mas porque pareciam aguardar um momento mais oportuno.

Naquela ocasião também houve quem se preocupasse em defendê-la. Assim o fizeram, aproximando-se dela, dizendo-lhe muitas palavras de carinho e amor. Rezando muito.

Curiosamente, alguns insistiam em tentar tranquilizar os mais preocupados como eu. Afirmavam que não nos preocupássemos, pois a Mãe era uma rocha, sempre firme. Nada aconteceria a ela, por mais que os filhos rebeldes insistissem em derrubá-la. Assim, diziam-me: “Reze por ela e por seus irmãos e tudo ficará bem”.

Os tíbios no amor também permaneceram preocupados com seu mundinho. Alguns, balbuciavam poucas palavras de alento. Só. Simplesmente só. Mais nada.

De repente, tudo o que eu via, pareceu transformar-se em um campo de batalha. Todos estavam em luta. Inclusive os que queriam ficar longe de todo conflito.

Como nos castelos da Idade Média vi belas e grandes muralhas. Reparei também no Donjon, a torre central onde estava a bela senhora.

O inimigo tinha um vasto exército, bem treinado, perseverante, pérfido, que já tinha demonstrado imenso poder de destruição. Entre eles, vi com imensa dor, muitos de meus irmãos. E foi, justamente, através desses que surge um misterioso Cavalo de Tróia. Como entrou? Quando entrou? Quem não viu? Ou permitiu? Não sei. O que sei é que o ele conseguiu entrar no Castelo e se acercar da grande torre onde estava a bela senhora.

Voltei a ficar aflito. Como defendê-la?

Tentei estimular todos os que lutavam. Não foi fácil. A alienação de uns, a ingênua bondade de outros, a inércia de outros tantos eram como névoa em seus olhos.

Um bom número só pensava em fazer um bom acordo com o inimigo. Para que sacrificar-se por alguém? A vida tem sentido? Afinal, pensavam, a Mãe necessitava de mudanças mesmo. Parecia velha e ultrapassada. Era inacreditável o que eu via ou ouvia.

Mas, também havia muitos bons. Uns com toda razão e com um esforço imenso, procuravam reconstruir partes da muralha derrubada. Ficavam felizes porque do lado em que estavam conseguiam repelir o adversário e reconstruíam rapidamente a muralha quebrada. Porém, não percebiam que, do outro lado, não acontecia o mesmo. Tinham uma visão limitada. Não viam que, em breve, os inimigos iriam cerca-los pela retaguarda e que não teriam mais proteção.

Já não sabia mais o que pensar. Tudo parecia emaranhado. Tudo indicava um desfecho fatal. Próximo de mim, misteriosamente, apareceu um cálice de amargura, de ressentimento, de desânimo. Pareceu-me que uma voz sinistra dizia: – “Beba! Beba!”

A peça de xadrez da rainha dourada em pé com o cavaleiro de prata caindo,  torre, bispo, peças de peão no tabuleiro de xadrez em fundo escuro, vista  superior. conceito de liderança,

Foi então que olhei para o Donjon. O belo rosto de minha Mãe apareceu em uma fresta da torre. Seu olhar profundo, materno, sereno, pareceu dizer-me: – “Tenha confiança: eu esmagarei a serpente. Meu Filho Jesus nunca me abandona. Não esqueça dessa promessa! E acrescentou: continue na luta. Sempre”.

Senti uma imensa paz. Indizível. Olhei mais uma vez para a bela senhora, agradeci, e roguei a ela que, neste mar do mundo tempestuoso dê a paz de Cristo a cada um de nós.

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