A IRA SANTA E O AMOR AO PECADOR

 

A propósito da execução de Marco Archer

Valter de Oliveira    Valter de Oliveira

Em certos filmes de Hollywood vemos familiares das vítimas vociferando contra criminosos que vão ser executados. Se não me engano, em “À espera de um milagre”, alguém exclama: “Quero que você queime no inferno”.

Eis aí uma atitude não cristã. A ninguém podemos desejar a condenação. Os mártires – ainda os que increparam seus algozes como S. Estevão ou S. Tomás Morus – morreram com sentimentos de perdão seguindo o ensinamento que nos manda perdoar nossos inimigos e que nos deu o exemplo ao perdoar os que O crucificaram.

Certas exclamações de ira podem ser explicáveis pela fragilidade humana, por desequilíbrio psíquico, por ignorância. Em princípio, porém, não podem ser moralmente justificadas.

Alguém pode perguntar: Não podemos nos alegrar com a justa condenação dos criminosos? Ou com a morte de tiranos e perseguidores da Igreja?

Santos e moralistas respondem: Podemos, desde que não se fira a caridade. (1)

A moral católica jamais exigiu que os fiéis ficassem tristes ou chorassem pelas mortes de genocidas como Hitler ou Stalin. Seria até algo contra a natureza humana.

Vale o mesmo para grandes criminosos.

Nesse sentido quem teve uma justa alegria pela morte do traficante Marco Archer não agiu mal.

Contudo, quem quer seguir mais fielmente as palavras do Senhor sempre vai lamentar que alguém morra longe de Deus.

Mais belo é fazer como S. Teresinha de Jesus que passou longo tempo rezando para que um criminoso que ia ser executado se arrependesse antes da execução e, como o bom ladrão, alcançasse o Céu no momento final (2). Ou da família de S. Maria Gorete que perdoou o homem que a matou. Ele se arrependeu e estava presente na sua canonização.

Lamentavelmente vi muita gente que parecia lutar apenas para que fosse poupada a vida natural de Archer. Quantos estavam preocupados com sua alma?

Quem foi ele?

Um traficante. Um escravo de vários vícios. Um homem que contribuiu para aplicar a pena de morte em inúmeras vítimas. Pena de morte aplicada gradualmente. Um homem que trocou a felicidade pelo prazer. Teve uma vida vazia em meio a mil prazeres fugazes. Pior: não sei se percebeu.

Arrependeu-se? As notícias não nos passaram tal ideia. No final parece que só houve uma certa aflição. Muito triste.

Aceitei sua condenação? Sim. Julgo que foi melhor para ele e para a sociedade. Pela sua vida na cadeia(http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-perfil-de-marco-archer-por-um-jornalista-que-conversou-com-ele-4-dias-na-prisao/) não creio que ela o teria tornado um homem melhor. Assim, ao sair, provavelmente voltaria à sua vida de crimes.

Ainda assim rezei por Archer. Um pouco. Miseravelmente pouco. Senti em minha carne a verdade: uma coisa é saber; outra, viver.

Não sou como os mártires, ou Santa Teresinha. Fica o meu confiteor:

Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa.

Notas:

  1. Os moralistas católicos – seguindo S. Tomás – afirmam que é lícita a “ira santa” ou “ódio de abominação”. Eis o que diz o teólogo dominicano Royo Marin: O ÓDIO DE ABOMINAÇÃO (que recai sobre o próximo enquanto pecador, perseguidor da Igreja, ou pelo mal que nos causa injustamente) pode ser reto e legítimo se se detesta, não a própria pessoa do próximo, mas o que há de mau nela; mas, se a odeia pelo que há nela de bom ou pelo mau que nos causa justamente (por exemplo o ódio ao juiz, ou ao superior, que castiga justamente o delinquente), se opõe à caridade (…) e é pecado de si grave, a não ser por paridade de matéria ou imperfeição do ato”.
Mais adiante diz o autor: “Não há pecado algum em desejar ao próximo algum mal físico, mas devido à razão do bem moral  (por exemplo, uma enfermidade para que se arrependa de sua vida má). Tampouco o seria alegrar-se com a morte do próximo que semeia erros ou heresias, persegue a Igreja, etc, desde que tal alegria não redunde em ódio para a própria pessoa que causava aquele mal. A razão é porque odiar o que de si é odiável não é nenhum pecado, mas de todo obrigatório quando se odeia segundo a reta ordem da razão e no modo e finalidade devidas. Contudo, há que estar muito alerta para não passar do ódio de legítima abominação ao ódio de inimizade para a pessoa culpável, o qual jamais é lícito ainda que se trate de um grande pecador (…). (Marin, Royo, Teología Moral para seglares I, BAC, Madrid, 1973, p.405).
 2. “Certa vez soube que um homem havia sido condenado á morte por ser criminoso. Este homem estava revoltado contra Deus e contra todos. Teresinha começou a rezar e fazer sacrifícios para que antes de morrer voltasse seu coração para Deus… e foi com grande alegria que ficou sabendo que no momento antes de morrer aquele homem pediu o crucifixo e com profunda reverência e respeito o beijou. Era um sinal do céu! Tinha-se convertido! Estava salvo”.
http://www.infanciamissionaria.com.br/pagina.php?pagina=151
 

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