NÃO SE PODE BANALIZAR O MATRIMÔNIO ENTRE OS CRISTÃOS


Salvador Bernal

Diante dos egoísmos e egocentrismos, a fé faz o homem capaz de entregar a si mesmo e lhe revela “a grandeza de ser pessoa humana”

As palavras e os gestos do Papa Francisco estão sendo bem recebidos dentro e fora da Igreja Católica (1). Entretanto, às vezes temos a impressão de que a informação é feita por “estudiosos” – e explorada, certamente, por empresas não só jornalísticas – que não conhecem os antecedentes, nem a história recente dos pontífices de Roma.

O próprio papa Francisco alertou contra o “bom-mocismo” ou, em geral, os populismos. Não se trata de ser bem vistos, mas sim viver a serviço das almas, com espírito aberto e fidelidade a Cristo.

Essa tarefa cabe a todos os fiéis, não somente à hierarquia episcopal ou aos sacerdotes, como se depreende de muitas notícias e comentários. Visão equivocada e que ainda reflete, 50 anos depois do Concílio Vaticano II, sobretudo e paradoxalmente em páginas laicistas, uma visão clerical do Povo de Deus.

Entre os temas que atraem a atenção da mídia, destacam-se, em contraste com a mente e o desejo do Papa, aqueles relacionados com a moral sexual, o matrimônio e o direito à vida. O que se nota é que os profissionais da comunicação estão muito mais obcecados por essas questões que os cristãos em geral. Daí o risco ao ponto concreto a que me refiro hoje: a banalização da doutrina.

Fala-se muito da necessidade de rever a ação pastoral dirigida a pessoas divorciadas que voltaram a se casar (casamento não canônico, logicamente) e, devido a isso, impedidas de receber a comunhão na liturgia eucarística.

O problema é maior e preocupava muito a Bento XVI, e como Francisco também lembrou em seu recente encontro com o clero da diocese de Roma. Não parece que os chamados cursos de “preparação para o casamento” tenham contribuído para a estabilidade dos casais. Os fiéis, gente de seu tempo, estão imersos na cultura do instantâneo, relutam em aceitar compromissos por toda a vida. Parte da crise de nossa civilização provém da deterioração da virtude da justiça, que implica em dar a cada um o que lhe é devido. Em primeiro lugar, talvez desde Jhering, consolidou-se uma visão do ordenamento jurídico arraigado na vontade da pessoa, e não na racionalidade das leis. Depois, pouco a pouco, foram recebendo rango (elementos) de direitos subjetivos protegidos por leis; facetas humanas que na realidade se situam na ordem do desejo.

No mundo ocidental surgiram muitas iniciativas para fortalecer a vida familiar, tão necessárias no contexto cultural adverso no qual vivem. Não chegamos aos extremos alcançados pela China em 2010, quando tivemos mais divórcios do que casamentos. Mas entre nós os números referentes aos divórcios são graves: na Espanha, em 2006, tivemos 126.952 divórcios (65,3% de comum acordo) e 174 declarações de nulidade. Cinco anos depois, em 2011, houve 103.604 divórcios (66,8% sem litígio) e 132 nulidades, com uma cifra decrescente de separações (somente 6.915), como consequência da lei de 2005 que não a exige para a ruptura definitiva.

Bento XVI abordou estas questões em múltiplas ocasiões, desde as jornadas mundiais da família, em Valença em 2005, até a última, em Milão, em junho de 2012. Mas talvez o texto mais expressivo foi seu discurso aos membros do tribunal da Rota Romana, na abertura do ano judicial no mês de janeiro p.p. Constitui uma síntese teológica e jurídica, com referências de afeto ao cônjuge abandonado e que sofre o divórcio. Vale a pena rele-lo, diante das simplificações. Basta aqui um breve resumo.

Em primeiro lugar o papa lembra que “na decisão do ser humano de unir-se com um vínculo que dure toda a vida influi na perspectiva básica de cada um, que dizer, se está ancorada em um terreno puramente humano ou se abre à luz da fé no Senhor”. O Papa Ratzinger assinalou como a rejeição de Deus “conduz, de fato, a um desequilíbrio profundo de todas as relações humanas, incluída a matrimonial. Por outro lado, diante dos egoísmos e egocentrismos, a fé faz o homem capaz da entrega de si e lhe revela a grandeza de ser pessoa humana” enquanto a rejeição da sacralidade do casamento poderia “ minar a própria validade do pacto” trazendo como consequência a não aceitação da fidelidade ou de outros elementos essenciais.

Por fim – e se trata de princípios repetidos por Francisco – “fé e caridade se necessitam mutuamente, de modo que uma permite à outra realizar seu caminho”. Isto deve der ainda mais valor na união matrimonial: “a fé faz crescer e frutificar o amor dos esposos, dando espaço à presença de Deus Trino e fazendo que a própria vida conjugal, vivida assim, seja “alegre notícia diante do mundo”.

Finalmente, e se trata de princípios repetidos por Francisco, “fé e caridade se necessitam mutuamente, de modo que uma permite à outra realizar seu caminho”. Isto deve ter mais valor ainda na união matrimonial: “a fé faz crescer e frutificar o amor dos esposos, dando espaço à presença do Deus Trino e fazendo que a própria vida conjugal, bem vivida, seja “alegre notícia” diante do mundo”. Daí concluímos que sobretudo não devemos centrar os debates na pastoral dos divorciados. Mais prioritária é a atenção a ser dada às famílias. (2)

Notas

Trad. V.O.

  1. Não sabemos se o artigo foi escrito antes ou depois do diálogo ocorrido entre o Papa e o diretor do jornal italiano “La Republica”.
  2. “Todo, menos centrar el debate em um escolio, como la pastoral de los divorciados. Más prioritária parece la atención de las famílias.

Extraído de Almudi.org

http://www.almudi.org/Noticias/tabid/474/ID/8311/No-se-puede-banalizar-el-matrimonio-entre-cristianos.aspx

 

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