AS ORIGENS DO ECUMENISMO: PARTE 3

O ecumenismo católico: a abertura conciliar

Edison Minami

No dia 25 de janeiro de 1959 o Papa João XXIII anunciou a intenção de convocar um Concílio Ecumênico para toda a Igreja Católica Romana. O concílio marcou a entrada oficial da Igreja no movimento ecumênico com a criação do Secretariado para a Unidade dos Cristãos.

Giuseppe Alberigo, um dos maiores especialistas do mundo sobre o Concílio Vaticano II nos lembra que:

 “Roncalli persegue a linha ecumênica desde os primeiros instantes, ou seja, desde o discurso de saudação aos participantes do Sínodo Ortodoxo da Bulgária, pronunciado em 26 de agosto de 1925.

Longe de ser um simples pronunciamento de circunstância, Roncalli aproveita a ocasião e afirma a exigência de buscar acima de tudo aquilo que une, sustentando que as Igrejas independentes ortodoxas, do mesmo modo que a Igreja católica, conservaram como um tesouro os dogmas da fé”[1].

O ecumenismo não foi o objetivo principal do Vaticano II, não era tema central na mente do papa João XXIII, pois somente posteriormente foi criado um secretariado exclusivamente dedicado ao tema, o Secretariado pela Unidade dos Cristãos, depois elevado a Pontifício Conselho pela Unidade dos Cristãos, órgão pertencente à Cúria Romana.

Ainda hoje muito se debate sobre o porque o papa quase octogenário – ele tinha 77 anos em 1958 quando eleito, um papa de transição como gostam de rotular os vaticanistas, os autointitulados especialistas nas coisas do Vaticano – convocou um concílio, em um aparente momento de calma e quietude dentro da Igreja Católica após o longo pontificado de Pio XII (1939-1958).

Meses depois do anúncio, João XXIII disse que a inspiração lhe veio como uma inesperada primavera. Belas palavras poéticas que deixam os historiadores desesperados!

Em um documento da época, o então frei Boaventura Kloppenburg, ele mesmo participante da preparação e celebração do Vaticano II, nos revelou que na fase ante-preparatória o tema ecumenismo já constava dos pedidos originais a serem debatidos pelos padres conciliares:

Os índices analíticos. – Essa ampla e gigantesca documentação, formada pelas cartas dos Bispos e Superiores Gerais, em um ano de intenso e diligente trabalho realizado na Secretaria da Comissão Ante preparatória, foi cuidadosamente estudada, coordenada e reduzida, na medida do possível, à forma esquemática e sumária, em curtas frases em latim, exprimindo cada qual uma sugestão ou um desejo de um ou mais Bispos ou Superiores Gerais, citados em nota mediante a indicação da sede da família religiosa. Trata-se de 8972 proposições reunidas em dois tomos com o subtítulo: Analyticus conspectus consiliorum et votorum quae ab Episcopis et Praelatis data sunt. Abarcam toda a matéria doutrinal e disciplinar da Igreja. O primeiro tomo, de VIII+806 pp., consta de 4232 proposições concernentes às questões doutrinais, normas gerais de Direito Canônico, disciplina do clero, Seminários e Leigos. O segundo tomo, 743 pp., contém 4740 proposições relativas aos Sacramentos, lugares sagrados, preceitos eclesiásticos, culto divino, magistério eclesiástico, benefícios e bens temporais da Igreja, processos, delitos e penas, Missões, Ecumenismo e obras caritativas e sociais da Igreja[2].

Essa mudança de orientação do catolicismo, que agora partia em busca de unidade e não de conflito, ainda hoje é tema de debate. Seria pura e simplesmente a prova da tão falada infiltração modernista e cripto-comunista dentro da Igreja? Teria se iniciado o sede-vacantismo, a série de papas indignos do pálio episcopal de bispo romano e consequentemente do trono papal, que segundo os mais radicais tradicionalistas (radtrad) são a prova de que todos os papas que celebraram e aceitaram o Vaticano II seriam indignos, mesmo tendo sido de comprovada santidade e amor à Igreja: João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco?

Na verdade foi o fruto de um paciente trabalho de muitos pioneiros católicos no ecumenismo, que desde a virada do séc. XIX para o XX criaram pontes de diálogo com o mundo não católico e mesmo não cristão e não crente. Aqui poderíamos citar todos aqueles que se esforçaram em apresentar o catolicismo livre de preconceitos e cacoetes, homens como Chesterton, Belloc, Christopher Dawson; e mesmo entusiastas tardios como Daniel-Rops – que dedicou todo o décimo volume de sua monumental História da Igreja a inventariar a história do ecumenismo, Joseph Lortz – que também dedicou metade do segundo volume da sua História de la Iglesia ao mesmo tema, ecumenismo. 

Na próxima postagem vamos estudar o documento oficial de entrada da Igreja Católica no ecumenismo: decreto Unitatis redintegratio


[1] ALBERIGO, Giuseppe. Ângelo José Roncalli. João XXIII. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 76.

[2] KLOPPENBURG, Pe. Frei Boaventura. Concílio Vaticano II: Vol. I. Documentário pré-conciliar. Petrópolis: Vozes, 1962, p. 114. O grifo é meu.

Edison Minami é doutor em história social pela USP.

FONTE: BLOG DO PROF. EDISON MINAMI.

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